Talvez escrever sobre o nudismo na Alemanha seja algo bastante inapropriado… para o mês de novembro 🙂 O inverno está chegando no paralelo 52 do hemisfério Norte e só de pensar em nudez já faz a gente bater o queixo. De qualquer maneira, o post de hoje serve como um texto preventivo para os brasileiros que vamos nos aventurar a nadar em lagos ou passear em parques no verão de Berlim (ou de qualquer outra cidade alemã). A prevenção é mais da instância do choque cultural: sim, você verá muita gente nua em qualquer lago ou parque que for. O nudismo, ou FKK (Frei Körper Kultur – Cultura do Corpo Livre), é permitido em todo o território alemão.
A minha intenção, no entanto, não é prevenir ninguém, mas sim contar a história do movimento FKK na Alemanha, já que ela remonta, por incrível que pareça, o final do século 19. Estamos falando do tempo em que o trono do Império Alemão era ocupado pelo nacionalista, militarista e conservador Guilherme II. Época do boom da industrialização alemã e de sua consequente urbanização, de extrema riqueza para poucos e pobreza para muitos que eram forçados a deixar o campo para trabalharem até 14 horas em fábricas. Berlim, capital do império, por exemplo, cresceu de forma tão acelerada que sérios problemas não poderiam deixar de acompanhar tal crescimento: a falta de moradia, de esgoto e água para muitos, enfim uma grande insalubridade.
Ao mesmo tempo, a alta burguesia alemã ressoava o conservadorismo de Guilherme II, neto da rainha Vitória, da Inglaterra. A repressão sexual associada à era vitoriana, portanto, teve uma versão alemã durante o governo de Guilherme II. E ela era tão grande que mesmo a forma de se vestir manifestava sua força: homens vestiam ternos com camisas cujas golas escondiam até mesmo seus pescoços, suas barbas faziam as vezes de esconderijo do rosto; mulheres usavam vestidos longos e luvas para esconder suas mãos até mesmo no verão.
Os descontentes com essa nova modalidade de cidade que surgia na Europa, a “cidade grande”, passaram a colocar em questão a nova forma de vida das aglomerações urbanas alemãs, quer dizer, conservadora por um lado, insalubre, por outro. Dentre tantos movimentos de transformação da vida que surgiram na Alemanha no final do século 19, um que merece atenção é o FKK. Tal movimento sugeria uma “volta à natureza, ao campo”, já que as cidades eram terrivelmente feitas somente de concreto. E volta à natureza não apenas significava voltar ao verde dos campos ou das árvores das florestas, mas também ao estado original do ser humano, quer dizer, de como ele veio ao mundo, ou seja, completamente nu.
A nudez não apenas servia para contestar o cinza do concreto da cidade grande, mas também para ironizar a moda propagada pela alta burguesia alemã: em vez de roupas até o pescoço, por que não ficar completamente nu? De um pequeno movimento no início do século XX, o FKK decolou sobretudo nos anos 20 do século passado. Já não existia mais Guilherme II, nem mesmo a monarquia, mas sim a República de Weimar, período que antecedeu o nacional-socialismo. O movimento inclusive tomou outras dimensões ideológicas: o nudismo deveria estar associado a uma vida saudável e vida saudável significava, por um lado, corpos perfeitos, por outro, exposição ao sol. Médicos passaram a recomendar a seus pacientes banhos de sol nus.
Há quem associe o ideal do corpo perfeito do FKK à ideologia da raça pura do nacional-socialismo. É verdade, por exemplo, que Leni Riefenstahl, 10 anos antes de se tornar a principal cineasta de Adolf Hitler, abraçou com grande entusiasmo a cultura do corpo livre. Porém, durante o regime nazista, o FKK foi perseguido e chegou a ser proibido. Apesar da proibição, Riefenstahl ousou e filmou esportistas nus em “Olímpia”, o filme de propaganda nazista para os Jogos Olímpicos de Berlim de 1936.
Passado o pesadelo do nazismo e a chegada ao poder de Konrad Adenauer na Alemanha Ocidental e Walter Ulbricht na Alemanha Oriental, o FKK foi bastante reprimido, mas não proibido. De qualquer maneira, apenas nos 70 é que a febre do nudismo voltou a tomar os lagos e parques alemães. É curioso olhar para o passado e constatar que essa volta do nudismo foi bastante influenciada pelos hippies. Mas não podemos dizer que os alemães do início do século XX já não tinham algo de “hippie”? De qualquer forma, o FKK é uma “instituição” dos espaços de natureza na Alemanha. Apesar de incontestável do ponto de vista jurídico, há, claro, alemães que discutem se o nudismo é algo que deveria ser praticado. Mas isso já é da instância da moral e não nos interessa aqui.
O fato é que se você estiver num parque ou num lago e vir alguém “peladão”, não se assuste: o nudismo é legalmente permitido. Sugiro que você tente agir como o alemão age nestas horas: como se fosse algo “natural” 😉